segunda-feira, janeiro 30, 2006

Objectos & Mercadorias, S.A.

Maerten Boelema de Stomme, "Natureza Morta", séc. XVII, óleo sobre tela, 73 x 96 cm, Musées Royaux des Beaux-Arts, Brussels.
Os objectos fascinam, conferem estatuto, são perecíveis e temporários - cheios de orgulho, de poder e de melancolia.

Edouard Manet, La Brioche, 1870, óleo sobre tela, The Metropolitan Museum of Art, New York.
Os objectos seduzem: apelam ao observador, para que os use (a faca pede-nos que cortemos o brioche - ou pede o brioche através da faca). E essa sedução é, aqui, feminina, feita de flores e rendas e caixinhas (uma Olímpia sobre o panejamento branco, macia como os pêssegos). Em Manet são, frequentemente, objectos de algum luxo: espargos, ostras - que confirmam um estatuto social, pelo gosto e o custo. O objecto é mercadoria e o consumo insinua-se como valor.

Tom Wesselmann, Bedroom Painting No. 13, 1969, óleo sobre tela, 148 x 163 cm., Staatliche Museen Preussischer Kulturbesitz-Nationalglerie, Berlin.
O consumo triunfou como valor cultural e social. Mesmo o humano é reduzido a mercadoria - contraponto da humanização dos objectos e da "coisificação" das relações e das qualidades abstractas (como em Marx e nos marxistas). Do retrato dos objectos para o corpo (humano) como natureza-morta.

BIBLIOGRAFIA:
Benjamin, W., A Modernidade, Lisboa, Assírio & Alvim, [no prelo].
Bryson, Norman, Looking at the Overlooked: Four Essays on Still Life Painting, Harvard University Press, 1990.
Clark, T. J., The Painting of Modern Life: Paris in the Art of Manet and His Followers, New York, Knopf, 1985.
Schama, Simon, The Embarrassment of Riches: An Interpretation of Dutch Culture in the Golden Age, New York, Knopf, 1987.

Novos "LINKS": Medieval Wall Painting e Ciudad de la Pintura, ambos em "Imagens". O último inclui obras pictóricas da pré-História à actualidade.
Em "Recursos": World Civilizations, da Washington State University, guia de textos e imagens muito generalista, incluindo civilizações antigas, não-europeias, actividades não artísticas (alguns "links", no entanto, já não funcionam).

2 comentários:

merdinhas disse...

Se é verdade que os objectos representados - desde a ostra a um pedaço de corpo - conferem estatuto e/ou seduzem, se é verdade que o objecto é mercadoria e que o consumo se insinua como valor não será também verdade que há uma espécie de encenação quase sádica desses objectos enquanto promessas que não se cumprem e que não são senão uma espécie de oferta de um ménu sem a subsequente refeição de ostras? Se é que se foge à frugal refeição do quotidiano a comtemplar esses quadros ou um filme ou qualquer desses objectos (em si mesmo de consumo)?
Promessas que se quebram são já (ou também) esse apelo ao consumo?

otipodashistórias disse...

Sim, também a "Arte" será mercadoria: esse é o centro da história que Argán conta na sua L'Arte Moderna - como é que a arte vai lidar com a transfromação dos objectos em mercadorias, sendo ela (a arte) uma criadora de objectos? O que é que distingue um objecto da indústria de um objecto artístico? O que é que distingue o mercado da arte dos outros mercados? No extremo: nada distingue e a arte infiltra-se no mais banal dos objectos (utopia dos produtivistas/construtuvistas soviéticos e do design até aos anos de 1970) / a arte mantém-se como último reduto, como território específico (no mesmo período, e ambiguamente, o Suprematismo). Pop/minimalismo, Koons/Clemente...
O lado pessimista: a arte está moribunda, porque é incompatível com a civilização industrial.

Se há sadismo na Arte? Acho que sim - também. Tanto como violência na interpretação (ideia heideggeriana). O desejo é força importante na arte e na mercadoria - e no humano. É o motor do capitalismo contemporâneo - e o motor do anti-capitalismo de Deleuze e Guattari. E o inimigo do budismo.

Mas saliento que estamos, nesta série de naturezas-mortas (em Manet isso parece-me claro), a ver os objectos (que, no "Antigo Regime" eram criaturas de Deus e/ou o resultado do trabalho e da inteligência dos homens) tornarem-se mercadorias, fracturados em "valor de uso" e "valor de troca" (Marx), com aquele a ser relegado para segundo plano e com este a só ser possível numa cultura em que tudo é intercambiável (e, no fundo, tudo é igual a tudo), perdendo-se especificidades, o que é insubstituível, etc. A Democracia é a irmã e a ideologia e o território do Capitalismo.
O mais importante: os objectos nem sempre foram mercadorias.